sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Na pilha da emoção

Na contramão do mundo conectado, torcedores de comunidades rurais no Norte de Minas se agarram ao velho radinho para poder acompanhar as partidas de Atlético e Cruzeiro
Luiz Ribeiro - Estado de Minas
Publicação:28/09/2012 08:23
Atualização:28/09/2012 08:25
Montes Claros – As transmissões dos jogos pela televisão hoje se tornaram corriqueiras e a interatividade nas redes sociais se espalhou como um fenômeno, tornando mais fácil a chance de os torcedores acompanharem de perto seus times e ídolos. Mas mesmo nos tempos de TV a cabo e tecnologias que conectam o mundo de ponta a ponta, ainda há apaixonados que seguem a equipe do coração apenas a distância, à moda antiga, por meio do radinho a pilha. O remédio para imaginar como são as jogadas fica limitado ao relato empolgante – ou decepcionante – do narrador. Essa limitação persiste mesmo em cidades-polo, como Montes Claros, no Norte de Minas, a 417 quilômetros de Belo Horizonte.
Com cerca de 400 mil habitantes, 15 instituições de ensino superior e o segundo maior entroncamento rodoviário nacional, o município tem em sua zona rural amantes do futebol que nunca assistiram a um jogo de Atlético ou Cruzeiro ao vivo, não conhecem o Mineirão nem o Independência e têm o rádio como “janela” para o gramado. O atleticano Dinei Ferreira Durães e o cruzeirense José dos Reis Silva sabem exatamente o que é torcer “no escuro”.
Ambos vivem afastados do burburinho da cidade. “Deve ser uma emoção muito grande ver os jogadores de pertinho”, imagina Dinei Ferreira, de 40 anos, que mora na comunidade de Mandacaru, a 21 quilômetros da área urbana. Além de agricultor, ele é dono de um pequeno boteco no lugar. Dentro do estabelecimento, sobre uma prateleira, perto de garrafas de cachaça e de outras bebidas, o que chama a atenção na penumbra é o aparelho radiofônico por meio do qual ele ouve as transmissões das partidas do Galo.
Veja maisQuando quase todo lance é gol O bar é frequentado por outros torcedores. Como não há televisão no local, entre uma cerveja e outra a pergunta mais comum é: “Como está o placar?”.
Em casa (distante 700 metros do estabelecimento comercial) há uma televisão cujas imagens chegam por antena parabólica. Só que dificilmente há transmissões que incluem equipes mineiras, com as emissoras dando preferência às paulistas e cariocas nas transmissões.
“Sou obrigado a ouvir as partidas pelo rádio, mas já me acostumei com isso”, relata Dinei. Mesmo sem jamais ter comparecido ao estádio e nem sequer ter visto de perto atletas profissionais do alvinegro, desde criança carrega uma idolatria pelo Atlético. Agora, a paixão tornou-se maior ainda com a boa campanha do Galo no Campeonato Brasileiro de 2012.
Ainda que a distância, o agricultor diz que sempre acompanha o noticiário do time e qualquer confronto pelo radinho. “A sensação é estranha. Às vezes, a gente sabe que determinado lance nem é tão perigoso, mas a vibração do narrador dá emoção à jogada”, descreve. Seu sonho é poder ficar próximo de ídolos como Ronaldinho Gaúcho e Bernard. “Imagino que eles sejam caras bacanas”, diz. Ele esteve uma única vez em Belo Horizonte, “de passagem.”
SEM ROSTO Ele conta que desde que começou a torcer para o Atlético passou a admirar os atletas – mesmo sem saber como eram os rostos deles. “Me lembro de grandes jogadores, como o goleiro João Leite, o Paulo Roberto (lateral-direito), o Batista (zagueiro) e o Sérgio Araújo (atacante).”
Dinei confessa que uma de suas grandes alegrias esportivas foi a conquista do Campeonato Mineiro de 2010. “O Marques entrou no finalzinho do jogo e marcou o gol no duelo do título”, recorda, citando a vitória sobre o Ipatinga por 2 a 0, no Mineirão. Como outros atleticanos, ele põe fé na chance de o time ser campeão brasileiro neste ano. “Mas precisa jogar com mais vontade, como fez durante o primeiro turno. Não pode perder jogos em que é favorito, como aconteceu contra o Náutico”, recomenda. Para os dois filhos pequenos, Natanael, de 9 anos, e Rafael, de 6, já deixou o que considera uma herança: ambos são atleticanos. O desafio é ter a oportunidade de, um dia, ver o time bem de perto.

Nenhum comentário: