terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Promotor diz que sentimento de impunidade estimula violência entre torcidas 17/12/2010 - 07h01


Promotor José Antônio Baeta lidera cruzada contra violência das organizadas em Minas

Gustavo Andrade
Em Belo Horizonte
As imagens do torcedor do Cruzeiro Otávio Fernandes sendo agredido por membros da Galoucura, a maior torcida organizada do Atlético-MG, que levaram à morte o rapaz de 19 anos no último dia 27 de novembro, mostraram a dimensão dos conflitos entre facções de clubes rivais em Minas Gerais. Sete suspeitos estão presos, incluindo os principais dirigentes da Galoucura, e dois continuam foragidos. Segundo dados do Ministério Público Estadual, foram nove mortes em acontecimentos envolvendo rivalidades futebolísticas desde 2004.
Responsável por liderar a cruzada contra a violência das torcidas organizadas em Minas Gerais, o promotor de Justiça José Antônio Baeta de Melo Cançado afirmou, em entrevista ao UOL Esporte, que há uma descrença generalizada por parte da sociedade em relação aos crimes envolvendo torcedores no Estado. Para ele, quem pratica tais atos é respaldado por um sentimento de impunidade.
Através da Promotoria de Justiça de Defesa e Proteção do Consumidor, José Antônio Baeta tenta implementar em Minas Gerais um controle das torcidas organizadas, em conjunto com as Polícias Militar e Civil. Ele ressalta que nem todas as mortes em confrontos de torcedores podem ser associadas às torcidas organizadas e avalia que já há mecanismos para punir os torcedores violentos.
Para José Antônio Baeta, a proibição de consumo de bebidas alcoólicas nos estádios é responsável pelo retorno de público feminino e infantil aos jogos do futebol mineiro. Ele estima em 40% o aumento no comparecimento de torcedores ao Mineirão, antes de seu fechamento para a reforma visando a Copa do Mundo de 2014, em junho último. O promotor defende ainda que punição como a proibição de faixas e bandeiras provoca a “morte” das torcidas organizadas.
UOL Esporte: O Estatuto do torcedor legitimou as torcidas organizadas. Essas instituições têm realizado as obrigações e funções sociais a elas atribuídas?
José Antônio Baeta:Toda torcida organizada tem como função social: primeiro de apoiar a equipe a ela ligada; em segundo lugar, o congraçamento de torcedores; e terceiro desenvolver condutas que possam potencializar rivalidade sadia de competição. Essa rivalidade é necessária pela essência da competição, desde que seja uma rivalidade sem aberração e que não resulte em violência. As torcidas organizadas com membros reiteradamente praticando crimes de lesões corporais, apologia ao crime, seja pela internet ou por cânticos, atitudes racistas e xenófobas, essa torcida organizada pode sofrer sanções previstas pelo Estatuto do Torcedor. Essas práticas podem gerar até o banimento por até três anos ou até mesmo a dissolução da torcida organizada.
UOL Esporte: O Ministério Público tem realizado reuniões em conjunto com as torcidas organizadas. Quais são as medidas tomadas a partir desses encontros? Os resultados têm sido positivos?
José Antônio Baeta: Depois de diversas reuniões foi formalizado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), para regularizar atos constitucionais das torcidas organizadas. Pelo acordo, as torcidas organizadas com número superior a 500 membros têm de ser registradas em cartório e terem efetivadas a existência de personalidade jurídica. Para torcidas organizadas com menos de 500 membros, é preciso ato constitutivo simples, em que informe a composição da diretoria e endereço, registrar junto ao clube, e remeter cópia ao Ministério Público. A torcida organizada é obrigada pelo TAC a fazer cadastramento de membros. O TAC estabelece obrigações. Qualquer concentração, seja no dia que for, com realização de jogo ou não, tem de ser comunicada à Polícia Militar. Os deslocamentos têm de ser comunicados à PM e qualquer alteração do trajeto exigida pela PM tem de ser acatada. Além disso, elas não podem se envolver em atos de violência ou apologia à violência.
UOL Esporte: Apesar dessas medidas em conjunto entre Ministério Público e torcidas organizadas, nove mortes em conflitos de torcedores aconteceram em conflitos desde 2004, segundo dados do próprio MPE. Por que essas mortes continuam acontecendo?
Eu reputo essa crescente violência em decorrência pelo aspecto de ser formada por jovens e pelo sentimento de impunidade generalizada. Ocorrem os atos de vandalismo e não acontecem punições. Essas pessoas persistem nesses atos e vão testando o limite.
José Antônio Baeta: Algumas dessas mortes não podem ser colocadas como conflitos de torcidas organizadas. Houve pelo menos três em que não foi registrada situação envolvendo torcida organizada, mas sim torcedores comuns. A mídia, em geral, é que colocou como se houvesse envolvimento de torcidas organizadas. Normalmente, quando se fala de morte de torcedor se fala em torcida organizada. Apesar dos alertas das autoridades, a violência e a rivalidade exacerbada têm complacência do Estado com os torcedores. Por exemplo, em situação de depredação de ônibus. A Polícia Civil se preparou para coibir isso e determinou que duas delegacias ficassem de plantão para tratar dos casos de depredação. Esses ônibus são patrimônios públicos. Quem comete essa depredação está sujeito a pena de seis meses a três anos de prisão. A Polícia civil destacou perito para depredação de ônibus, a Polícia Militar colocou destacamento para pegar esses depredadores. As empresas, por sua vez, tiveram que colocar uma simples câmera nos ônibus, o que não foi feito. Como resultado não houve punição e essas pessoas vão se sentir impunes. Eu reputo essa crescente violência em decorrência pelo aspecto de ser formada por jovens e pelo sentimento de impunidade generalizada. Ocorrem os atos de vandalismo e não acontecem punições. Essas pessoas persistem nesses atos e vão testando o limite.
UOL Esporte: Por que esses atos de violência persistem e como podem ser coibidos?
José Antônio Baeta: Primeiro, faltam denúncias. Muitas vezes elas não chegam ao Ministério Público. Parece haver uma descrença generalizada e não chegam denúncias. As notícias chegam sem qualquer conteúdo especifico, chegam 30 dias depois de maneira abstrata, sem elemento concreto para justificar investigação. A complacência da sociedade e a impunidade levam aos fatos. Esperamos que isso seja amenizado, e já diminuiu, e muito, porque houve trabalho de contenção nos estádios. O Estatuto do Torcedor criminalizou condutas de violência e agora a polícia pode fazer prisões. Há a esperança que possa haver maior diminuição. O Estatuto trouxe mudanças muito bem-vindas, com a efetividade da punição para quem pratica violência nos trajetos e cercanias dos estádios. Por exemplo, a Polícia Militar já identificou anteriormente carros com bastões de madeira. Naquelas ocasiões, apenas foi apreendido o material e quem o portava não foi punido. Agora com o Estatuto, o simples fato de flagrar pessoas com esse tipo de objeto que pode ser usado para violência já constitui em crime e a pessoa vai ser presa.
UOL Esporte: Sete dessas nove mortes desde 2004 aconteceram longe dos estádios. A violência mudou apenas de endereço?
José Antônio Baeta: Em geral, esses óbitos ocorrem no trajeto. O torcedor, no bairro dele, pegando ônibus para ir ao estádio também está em trajeto.
UOL Esporte: Qual a eficiência da iniciativa de proibir o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de Minas Gerais?
José Antônio Baeta: A proibição de consumo de bebida alcoólica se mostrou uma medida de pleno êxito, porque simplesmente foi um dos maiores fundamentos para inexistência de violência dentro dos estádios. Hoje, é raro ver cenas de violência nos estádios. E isso não é só estatisticamente. Houve uma potencialização do sentimento de segurança. Agora, a pessoa se sente mais segura e houve acréscimo exponencial de público feminino e de crianças. A polícia teve o bom problema de aumentar o efetivo de policiamento feminino. Pelos nossos dados, houve depois da proibição de consumo de bebida alcoólica um acréscimo de público, desde 2007 e 2008 quando tomamos essa medida em Minas Gerais, de mais de 40% de público. Agora está indo a família. Se o torcedor for ao estádio apenas com intuito de consumir bebida alcoólica, nós não o queremos no estádio.
UOL Esporte: As ações educativas de proibir o uso de bandeiras e faixas têm ajudado a impedir atos violentos das torcidas? Como o senhor vê críticas feitas por dirigentes em relação à proibição de entradas nos estádios com bandeiras, faixas, cartazes?
José Antônio Baeta: As pessoas não acostumadas a paixões que envolvem o futebol podem pensar que essas medidas são punição para menino. Mas para quem sabe como funcionam as torcidas organizadas, essas medidas de banir apetrechos de publicidade para torcida organizada é a morte da própria torcida. Isso porque a torcida organizada precisa de publicidade, senão são membros comuns. No jogo entre São Paulo e Atlético, no Morumbi, na última rodada do Campeonato Brasileiro, quando houve essa proibição, a Galoucura perdeu identidade e passou a ser torcida comum. No último jogo do Cruzeiro, com a Máfia Azul era mesma coisa. Essa é uma medida que os deixam muitos preocupados. A medida educativa evita atos violentos e temos conseguido evitar maior incidência da violência. Com a punição educativa, há retração da violência.
UOL Esporte: O presidente do Atlético, Alexandre Kalil, afirmou que atos como o que causou a morte de Otávio Fernandes(torcedor do Cruzeiro espancado em frente ao Chevrolet Hall, na Zona Sul de Belo Horizonte, em 27 de novembro) não podem ser tratados como de torcedores, mas sim de marginais. O senhor acredita que os conflitos entre torcidas organizadas recebam tratamento diferenciado?
Primeiro, faltam denúncias. Muitas vezes elas não chegam ao Ministério Público. Parece haver uma descrença generalizada e não chegam denúncias. A complacência da sociedade e a impunidade levam aos fatos.
José Antônio Baeta: Ali já foram individualizadas essas pessoas, que serão tratadas como homicidas, que são. A justiça vai julgá-las e, se condenadas, serão homicidas. Não discuto as torcidas organizadas, os envolvidos naquele caso são homicidas. Defino aquele fato como uma barbárie, uma situação que saiu fora da realidade de qualquer noção de sociedade. E não precisa ser um ato de violência extrema, qualquer ato de violência, como o porte de material para violência, a pessoa está à margem do quadro de torcedores e pode ser condenada de um a dois anos de prisão ou, alternativamente, de três meses a três anos.
UOL Esporte: O senhor pensa em outras medidas preventivas para os jogos em Minas em 2011 pelo Estadual e também por outras competições como Copa do Brasil, Libertadores e Brasileiro?
José Antônio Baeta: Temos que efetivar as diretrizes do Estatuto do Torcedor. A Polícia Militar possui os instrumentos para coibir a violência. Já existem sim instrumentos jurídicos para haver repressão e garantir a paz. O presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Cláudio Costa, autorizou a criação do Juizado Especial do Torcedor, e, assim, se completa o quadro para prevenção da violência. Esse juizado será criado o mais breve possível. Ele já foi criado em São Paulo, e esperamos em que Minas seja mais breve possível, logo no início do ano de 2011.
UOL Esporte: No caso específico da morte do torcedor Otávio Fernandes, já é possível pensar em alguma medida punitiva contra os torcedores da Galoucura, que estão detidos?
José Antônio Baeta: A punição é de prisão. Essas pessoas sendo indiciados, a pena mínima é de 12 anos de prisão.
UOL Esporte: O senhor chegou a falar na possibilidade de pedir a extinção das torcidas envolvidas. Isso poderá acontecer?
José Antônio Baeta: Ainda aguardamos as investigações. Temos que ver como ficaram as apurações. Essa possibilidade sempre existe.
UOL Esporte: O Ministério público já recebeu o cadastro das torcidas que foram suspensas por 120 dias (Galoucura, Máfia Azul e Pavilhão Independente)?
José Antônio Baeta: Ainda não, por isso há essa sanção de não poderem frequentar os estádios. A Galoucura remeteu um cadastro totalmente desatualizado. Nem a Máfia Azul e nem a Pavilhão Independente estão com cadastros atualizados. Há um prazo de um mês para isso ser feito, senão não poderão entrar nos estádios. Caso isso permaneça após o primeiro mês, essa sanção será prorrogada até que seja cumprido o pedido de envio de cadastro.
UOL Esporte: Alguma experiência de outros estados poderia ser incorporada aqui em Minas, como a já mencionada criação do Juizado Especial do Torcedor feita em São Paulo? Ou o estado está na vanguarda?
José Antônio Baeta: Isso não pode se dizer que é uma experiência de São Paulo. Isso é um avanço sobre os juizados especiais criminais. Todos os crimes, independentemente da pena, vão ser todos do Juizado Especial do Torcedor. Caberá ao Juizado a apreciação dos casos de matéria cível, criminal e de defesa da criança, do adolescente e do idoso. Minas tem hoje todos os mecanismos necessários para coibir os atos de violência.
UOL Esporte: E em relação à Copa do Mundo de 2014? Já existem estudos de como atuar para coibir a violência?
José Antônio Baeta: Já há treinamento de pessoas que estão diretamente envolvidas, membros das polícias Militar e Civil, além de agentes de segurança. Com relação até mesmo ao conhecimento de inglês e técnicas especiais de abordagem.

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